Analisando a obra de Gil Vicente, de 1517 – O Auto da Barca do Inferno – No gênero literário satírico, selecionei um trecho que trata a passagem de um fidalgo que cometera atitudes impróprias em sua vida terrena e se prevalecendo de sua posição para tentar embarcar na barca divinal - “Que me leixeis embarcar. Sou fidalgo de solar, é bem que me recolhais” - e é lembrado pelo anjo de suas atitudes indignas e de desprezo que cometia contra o povo sofrido e queixoso, não lhe deixando embarcar – “Não se embarca tirania neste batel divinal”, só lhe restando a alternativa de embarcar no batel infernal em companhia de outros, que como ele, não tiveram atitudes dignas. E o arrais infernal, aguarda todos os candidatos com verdadeiro escárnio para lhes mostrar suas faltas, no seguinte trecho: “Embarque vossa doçura, que cá nos entenderemos... Tomarês um par de remos, veremos como remais, e, chegando ao nosso cais, todos bem vos serviremos”.Em um sentimento parecido com a obra de Gil Vicente, Zeca Baleiro, em sua composição – Heavy Metal do Senhor – cd “Por onde andará senhor Stephen Fry?”, 1997 – Mostra de forma irônica as diferenças entre Deus e o diabo, apontando a preferência pela imagem de Deus.Iniciando com uma contra cultura quando se refere ao cara mais underground que toca cover das canções celestiais, pois este sempre ficara em segundo plano, perante a sociedade católica, que acredita que a imagem de Deus é a do bem e a do diabo a do mau.Para justificar e moralizar a sociedade que deve ter uma regra de bom comportamento, assim como no auto de Gil Vicente, que cobra de todos os personagens que vão chegando para o embarque serem julgados pelo anjo e pelo diabo dos atos cometidos em vida, Zeca também expõe o julgamento pelo comportamento humano no refrão em que diz: “os santos pedem para deus rolar um som maneiro e Deus manda um som pesado”, como se o significado do “som pesado” fosse o castigo pelos erros cometidos por aqueles que querem um castigo leve, pedindo um som maneiro.E por fim, quando Baleiro diz que “a banda cover tá por fora e o mercado tá de olho no que deus criou” - refere-se aos ensinamentos sagrados que são passados de geração em geração através das religiões que ditam o comportamento do bom cristão e a melhor conduta para com seus semelhantes.
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A comparação entre a obra de tradição luso-brasileira de Gregório de Matos Guerra - Obra Poética "Pondera agora com mais atenção a formosura de D. Angela" - e a canção de um artista contemporâneo, Zeca Baleiro – “Quando ela dorme em minha casa”, encontramos o sentimento do “eu lírico”, o homem apaixonado, completamente entregue a paixão que o cega e o envolve no mais profundo prazer em desfrutar da companhia da mulher amada e uma enorme apatia, quando ela se vai.Gregório enaltece a mulher amada comparando- a a uma arquitetura e prefere não mais enxergar a perder o controle de seu estado de consciência em relação a esse amor.Já Zeca Baleiro, sente uma sensação de harmonia e paz ao ter o ser amado em sua casa e sabendo que essa tem um futuro a conquistar e se vai, vive de lamentos até a chegada de outra para colocar em seu lugar.
Edição de Referência:Obra Poética, de Gregório de Matos, 3ª edição, Editora Record, Rio de Janeiro, 1992.
Referência musical:Cd Balada do Asfalto & outros blues, ano 2005, de Zeca Baleiro.